sexta-feira, 17 de julho de 2015

O dia que eu dormi na estação de trem




Era sábado e eu voltava de Amsterdam com meu namorado Bruno para a casa da minha irmã em Hull, na Inglaterra. Como não existe aeroporto na cidade dela desembarcamos em Manchester e tivemos que pegar um ônibus para Leeds, uma cidade próxima, para de lá enfim pegarmos o ônibus direto para Hull. Conhecemos um moço que amava o Brasil e nos contava as suas aventuras aqui, do Pantanal até Natal, bastante empolgado e com desejo de volta. Eu lhe falei que esse desejo é totalmente compreensível. ;)

Ao chegarmos em Leeds, era sábado e 16 horas. O único ônibus para Hull saiu pela manhã.  Eu e Bruno já estávamos nas últimas, sem um centavo no bolso. Ou melhor, tínhamos algumas poucas moedas contadas, e o dinheiro da passagem já reservado. O que fazer? Vamos pegar um hotel e passar no meu cartão. Meu cartão estava bloqueado. Ligamos pra família, pedimos ajuda? O celular descarregou, não tínhamos sinal de internet.
Logo percebemos que teríamos que passar a noite na rua, eu e ele, sentados na calçada, observando a movimentação de uma cidade da Inglaterra. Estávamos bem no Centro, onde tudo acontece. Vimos gente de todo jeito. O frio era grande, a fome também, o dinheiro era pouco. Confesso que sempre tive gosto por experiências difíceis, apesar de no momento sentir medo e, convenhamos, na hora ninguém gosta de passar perrengue, mas eu sempre penso no que aquilo vai me acrescentar como ser humano. Lá mesmo eu encarei tudo como uma experiência que me faria aprender alguma coisa.

Quanto mais tarde ficava, mais frio eu sentia. Nos sentamos ao lado de uma loja de vitrine e esperamos o tempo passar pacientemente... Até que sentimos medo da polícia local nos destratar, ou passarmos algum problema por estarmos na rua. Pouco tempo depois um homem indiano de uns 30 anos perguntou de onde éramos e, com um sorriso de orelha a orelha, nos deu o melhor conselho que poderíamos receber naquele dia: a estação de trem é 24 horas, vocês podem dormir lá! A estação de ônibus que estávamos antes não funcionava durante a noite, e ela é bem ao lado da estação de trem. E para lá seguimos. Um lugar bem mais quente que a rua, super movimentado, com gente de todo jeito, de todo lugar.

Agora que podíamos enfim ~relaxar~, começamos a observar as pessoas: pra onde iam, de onde voltavam, o comportamento delas.Sentamos ao lado de uma senhora de uns 60 anos que não se aguentava em pé de tão bêbada que estava. Tinha um cara ao seu lado tentando ajudar, mas de nada adiantava. Ela sentava no colo dele, depois rodava e caía no chão. Nós morremos de rir.

Tinha um grupo de meninos fazendo maior bagunça na estação, até que um deles derrubou todo o lanche no chão, fez maior sujeira e ficou puto com o resto da galera. Quase deu briga.

Tinha uma senhora que chorava muito, parecia bastante deprimida. Eu e Bruno estávamos num dilema: vamos ou não vamos conversar com ela? Até que chegou alguém que parecia conhecê-la para confortá-la. Ficamos felizes.

Tinha uma menina que também dormiu na estação, mas ela estava bêbada e sozinha, parecia ter voltado de uma festa. Não consigo entender como as meninas usavam vestidinho curto e não pareciam sentir frio, eu estava com 3 camisas e cheia de agasalhos na perna e AINDA ASSIM eu estava tremendo de frio.

Quando a fome bateu na madrugada o dinheiro já era pouco, tínhamos medo de gastar além do valor da passagem de ida para Hull, então tivemos que poupar ao máximo. Fomos ao Mc Donalds dentro da estação, pedi um cheeseburger e um refrigerante, ganhei dois de cada pelo preço de um. Estranho, parecia até que sabiam que a gente precisava. Será que é assim com todas as pessoas que passam a noite na rua, com frio e com fome, elas também têm essa sorte toda? Eu comecei a acreditar que sim. Parecia que tinha alguém olhando pra gente, algum santo que olha pras pessoas que dormem na rua e não tem pra onde ir, talvez. Tinha alguém, nós podíamos sentir.

Nós passamos a virar um incômodo na estação: tinha um guardinha que vinha toda hora falar com a gente, perguntar coisas, ser desagradável. Não via a hora de ter que sair dali. Ele nos avisou que o dia amanheceu, que já era hora de ir pra outra estação. E nós fomos.

11:30 am era o horário do ônibus. A grana deu pra passagem (contadíssimo, mas deu certo) e de Leeds para Hull era só uma hora e meia. Podíamos dormir tranquilos que em pouco tempo estaríamos em casa. Respiramos aliviados, mas ao chegamos perto do nosso destino, lembramos: nós temos que descer o mais perto possível de casa, não temos mais dinheiro pra pegar ônibus nenhum (!!!)
E descemos na primeira parada que vimos. Estava chovendo. Então nós corremos e fomos, na chuva mesmo, a vontade maior era de chegar em casa e esticar as pernas depois desse dia maluco, maior que qualquer cansaço, qualquer frio.

Tudo que nós passamos nessa vida nos ensinará alguma coisa, de alguma forma ou de outra. Absolutamente tudo. Eu sempre soube disso. Tivemos que nos virar, contar as moedinhas para comer, aguentar o mau olhado e os abusos de gente que não ia com a nossa cara, explicar milhões de vezes a nossa história em inglês (britânico e de interior, complicadíssimo). Desde que cheguei ao Brasil eu me digo mentalmente: não esquecer de escrever sobre o dia em Leeds.
E aqui estou eu. A mesma pessoa, mas sabendo um pouquinho mais da vida.

Até breve,
Rebeca




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